sábado, 27 de dezembro de 2008

Crítica Leve

Cleber diz:
não entendi nada e tb não quero entender pois ela é ateia, e as palavra dela
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
quem disse que ela eh ateia?
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
vc leu?
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escadalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
Cleber diz:
e as palavras dela são pequenas perante o meu Deus q é forte e poderoso, eu sou maior q ela pois tenho Deus e ela é menor q eu, sou + inteligente q ela, e Defino Deus muito melhor q uma escritora e um nerd
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
"ela é menor q eu"
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
xD
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
"o meu Deus q é forte e poderoso"
Na ponta do compasso arredonda um mundo, Leandro... diz:
e ela nao eh ateia
Cleber diz:
logico, ela não tinha Deus no coração nem vc,são incapazes de amar, estão contaminadas e se vcs não aceitarem a misericórdia de Deus poderam ser jogados no fogo eterm

sábado, 13 de dezembro de 2008

Perdoando Deus - Clarice Lispector

(para Ana Débora)

Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer.Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais. Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Elefez, vou estragar a Sua reputação.... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escadalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

1° comentário

-Era sobre a diferença entre a concepção de verdade no grego, no hebraico e no latim...
-A gente pensa, poxa, senhoras e senhores, esse garoto nos pega desprevinidos...

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Em lugar de uma carta (Maiakovski)

(Para Aline)

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto —
um capítulo do inferno de Krutchônikh.

Recorda —
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu “hall” escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.

Quando um boi está morto de trabalho ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros…

Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

26 de maio de 1916. Petrogrado.

(Tradução de Augusto de Campos)

Solilóquios

Na alcova os amantes -
Tórrido o sol derretia
as vidas humanas.
Choram os machados
tristes enquanto executam
o matricídio.
Só, no rio turvo,
o peixe chora devagar,
atrás da amada.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

É para lá que eu vou (Clarice Lispector)

(Texto que tinha prometido mandar para Napoleão.)

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.

À ponta do lápis o traço.

Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.

Na ponta dos pés o salto. Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.

Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.

Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra “tertúlia” e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois - depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio. Não sei sobre o que estou falando. Estou falando de nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.

É para o meu pobre nome que vou.

E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.

À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.

Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.

Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.

Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

,

Santo Deus, (não, que Deus me desculpe, pois sou ateu).

Gente, que vírgulas retas são essas...

Sujeiras

Ah, se eles soubessem como seus elogios me machucam...

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Esclarecimento

Eu gosto das pessoas que me fazer rir. Meu riso é como uma redenção. Meu sorriso ou a ausência de meu sorriso são maus presságios.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Admiração

(que era para ser um haiku)

Mendiga comeu
meus cinco sonhos de valsa
tão silenciosamente...

sábado, 26 de julho de 2008

A experiência do amor e do diálogo na era do MP3 player

Mês passado, eu estava fazendo a baldeação do metrô para o trem na estação Brás, quando vi um senhor perguntar para um rapaz que horas eram. Ele não ouviu e continuou andando. Tinha fones no ouvido, presos por fios finos que se perdiam no interior do seu suéter azul. Era um dia frio. O senhor ficou parado. Enfim, retornou à empreitada. Conseguiu. Tudo durou cerca de quinze segundos.

Continuei a caminhar até as escadas rolantes, sempre inoperantes, desci-as a pé e, depois de um esforço sobre-humano, deslizando com a minha mochila gigantesca entre tantos corpos, consegui me acomodar. Tirei a mochila das costas e dela o Madame Bovary da biblioteca do Centro Cultural da Vergueiro. Mesmo tendo que ler 150 páginas daquele livro até quarta-feira seguinte, mesmo tendo que refletir sobre a mudança copernicana que eu começava a operar na minha vida, mesmo sofrendo tanto, sem nunca arranjar soluções, que a reflexão é tão incapaz de encontrar, mesmo com a cabeça pesada, o coração dolorido e a boca suspirando, mesmo com tantas mazelas no mundo, mesmo sem espaço para me apoiar, mesmo com todo aquele cheiro vindo das bocas que pouco falam e dos suores de um dia de esforço, não pude deixar de pensar na inexorabilidade dos MP3s, MP4s, MP5s, iPods e tutti quanti, em nossas vidas.

Um sortudo, sentado, lia o Código da Vinci enquanto ouvia música. Uma garota dormia, com fones no ouvido. Outra, em pé, sussurrava baixinho algo que provavelmente estava sendo cantado ao seu ouvido. Um homem, de terno e gravata, uma expressão de indiferença na cara, ouvia Amy Whinehouse em som tão alto que eu podia compreender perfeitamente o que se dizia. Repentinamente, alguém põe o Creu para tocar em alto e bom som, de modo que o ambiente já barulhento por causa das acusações contra mais-valia, das reclamações sobre a CPTM, dos gritos de jogadores de baralho, das discussões sobre a fartura da mulher-melancia, das agressões domésticas, chegou ao apogeu da poluição sonora.

Os guardas passavam pelos vagões, em revista, para garantir que ninguém iria sentado no chão, que ninguém venderia algo e que os prosélitos entoassem seus cantos. Confusões: gente tirada a força, vários “sou trabalhador!” ecoavam, muitos indignados reclamavam. Ouça: “trem com destino a Calmon Viana partirá da plataforma 7 e em seguida da plataforma 6”. Olhei pela janela. Eram oito e quinze. Eu estava na plataforma 6.

Não conseguia ler. Ela, porém, tinha a vida fria de um celeiro aberto para o norte; e o tédio, aranha silenciosa, ia tecendo a sua teia na sombra de todos os cantos de seu coração...um celeiro aberto para o norte, ia tecendo, todos os cantos do seu coração...

“Senhores usuários, boa noite, esse trem parte com destino à estação Calmon Viana. Tenha uma boa viagem”.Um apito. As portas fecham-se. Alguns membros ficam presos. As portas abrem-se. Suspiros e gemidos de alívio. As portas fecham-se. Praguejos. A inexorabilidade da primeira lei de Newton se manifesta: gritos assustados ecoam pelo vagão, todos tombam para o lado. Muitas reclamações e risos. O trem parte.

Acendem-se os cigarros, a maconha passa de mão em mão e bem próxima de nossos narizes e paçocas, biscoitos, iogurtes e amendoins são expostos pelos publicitários não-registrados. “Se que tirar o cheiro de maconha da boca, é só comprar Listerine! Um real! Validade até a próxima copa do mundo!”.

E, de repente, eu preparava uma pirueta en dedans, e começava a girar, e passava a eternidade girando, enquanto todos casavam e eram assassinados e assassinavam-se e prostituíam-se e recebiam o título de doutor honoris causa... Todos bateram palmas quando um cachorro tentou pular uma cerca e bateu de cabeça nela... Um navio abria espaço no concreto da rua Pedro de Toledo e eu o comandava...

Acordei repentinamente, dando um grito. Alguém tropeçara e se agarrara à minha cintura. Voltei a ler. “Carlos sentiu-se enternecido com isso e deu-lhe um beijo acompanhado de uma lágrima. Ela, porém, estava exasperada de vergonha; a sua vontade era de espancá-lo, mas se levantou, dirigiu-se ao corredor, abriu a janela e aspirou o ar fresco, para se acalmar”.Pedi à senhora que estava sentada na minha frente que abrisse a janela. Minha voz não conseguiu transcender o Pump it.

Lembrei-me que uma vez dois garotos de uns dez anos almoçavam no Shopping D, enquanto conversavam; ambos com fones no ouvido. E das tantas vezes que conversei com alguém que tinha fones no ouvido até perceber que era insultante. E de quando falei para Alberto que ele ficaria surdo se continuasse a escutar música naquela altura e ele não me ouviu. E de quando a professora Maria Beatriz reclamou, durante uma aula sobre geradores ideais, com alguém que tentava ocultar os fones sob o capuz do casaco. E do Heron, ansioso para que seu iPod chegasse logo dos Estados Unidos.

Lembrei-me das acusações que recebia por minha falta de seriedade, por ser infantil demais, por ser obsessivo, repetitivo, enfadonho. Lembrei-me dos minutos que passei explicando algo para alguém que fazia questão de mostrar tédio ou de me cortar, na primeira oportunidade, para falar mal de alguém ou contar os causos da sua vida atribulada.

Lembrei-me de Adorno, em Educação após Auschwitz , afirmando que todos nos sentimos pouco amados, porque amamos demasiado pouco. Lembrei-me de Lacan, quando afirmara que o desejo do homem era o desejo do outro. Lembrei-me de Tiburi, que dissera que conversar também é uma forma de amar.

Voltei a ler. “Supunha-a feliz; e ela não lhe podia perdoar aquela tranqüilidade tão bem assente, aquela gravidade serena, nem a própria felicidade que lhe dava.”

O trem brecou. O cadáver de Newton levantou-se só para rir, orgulhoso. Eu disse, com a voz rouca:

- Nos tornamos, em diferentes graus, incomunicáveis...

A senhora tirou os fones do ouvido e indagou:

- O que o senhor disse?

E o maquinista:

- Essa composição aguarda liberação de sinal...

E todos, em uníssono:

- Ah....

A quinta história (Clarice Lispector)

Um texto lindo da Clarice Lispector que vale a pena ler.

.....

A Quinta história

Esta história poderia chamar-se “As Estátuas”. Outro nome possível é “O Assassinato”. E também “Como Matar Baratas”. Farei então pelo menos três histórias, verdadeiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem.

A primeira, “Como Matar Baratas”, começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz. Morreram.

A outra história é a primeira mesmo e chama-se “O Assassinato”. Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranqüila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a receita estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais parecia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou.

A terceira história que ora se inicia é a das “Estátuas”. Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora,um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se completaria jamais. Na boca de umas um pouco da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente como num processo vital, e elas, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura magoada. Outras — subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava! — essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da boca: eu te... Elas que, usando o nome de amor em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exatamente por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: “é que olhei demais para dentro de mim! é que olhei demais para dentro de...” — de minha fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra antena de barata morta freme seca à brisa. Da história anterior canta o galo.

A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de gesso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-se-á uma população lenta e viva em fila indiana. Eu iria então renovar todas as noites o açúcar letal? - como quem já não dorme sem a avidez de um rito. E todas as madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? - no vício de ir ao encontro das estátuas que minha noite suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão daquela vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu molde interno. Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem “adeus”, e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: “Esta casa foi dedetizada”.

A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me de baratas...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

De Dercy

"A gente vai ser feliz na porrada, a gente não tem vocação para ser infeliz."

"Ninguém tem direito à ninguém"

"Por dentro eu tenho 20 anos, por fora, a poluição estraga."

"Eu detesto essa pieguice: mais cuidado, mais educação."

"Eu não falo palavrão: eu mando você tomar no cu."

"Por maior que seja o buraco em que você se encontra, pense que, por enquanto, ainda não há terra em cima."

"Eu fiz 94 anos, mas já digo que estou com 95 para me energizar e chegar lá. Escrevam o que eu digo: eu só vou morrer quando eu quiser! Não programo morte, eu programo vida!"

""Sentei o pé nele e saí porta afora. Socorro! Esse homem me furou! Imaginei que tinha enfiado um facão e rasgado minhas tripas." (Depois de ver o sangue ao perder sua virgindade, com o cantor Eugenio Pascoal)

Salve Dercy.

Completude

Com esse texto, ganhei a 3° colocação no Concurso de Literatura Experimental do CEFET-SP.
Inicialmente, foi um trabalho de redação. Trabalhávamos descrição; a professora deu um bombom Sonho de Valsa para cada um e tivemos que descrever como o abrimos, o cheiro que sentimos, a sensação de comê-lo, etc. Essa foi a minha redação. Quando a recebi com a nota (3,5) e um "Muito Bom!", a professora Ana Lisboa disse: Nossa você realmente escreve bem, como a professora Marlena disse". E eu pensei: "Nossa, então por que será que eu não tirei nota máxima?". Chegou a época do concurso de redação, eu tava com vontade de participar, mas acabei perdendo a data de inscrição. Aí, adiaram dois dias. Digitei dois textos que tinha: esse, que se chamava Completude e outro que se chamava Amélia, mas que mudei para Apoteose. Entreguei. Um mês depois, no dia em que eu descobriria que ganhara uma bolsa integral no Etapa [choro litros...]), a professora veio me avisar que eu tinha conseguido o 2° e o 3° lugar no concurso. Fiquei feliz. Saí da sala para espairecer. Nessas horas dá vontade de fazer flics... Completude ficara em 3° e Apoteose em 2°. Ganhei 90 reais em vale-livros, que gastei comprando um DVD do South Park, um do Woody Allen "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar", Harry Potter and the Prisioner of Azkaban (versão americana, que ainda não li) e um livro do Woody Allen.
No dia da premiação, a prof. Suely (que não era minha professora ainda) me abraçou e disse: "É importante escrever, ainda mais hoje, quando a literatura não é valorizada." Quando fui escolher o livro ao qual os premiados tinham direito, a professora Maria Ângela não permitiu que eu pegasse dois. "Vai faltar para os outros". Eram quase 10 livros para 5 premiados... Peguei o Cortiço e fui embora... Aí a professora Suely me parou e perguntou: "Foi você que escreveu o da Amélia?" Ela estava com outra professora. Eu disse que sim. Ela levantou, apertou minha mão e disse que tinha partes de um verdadeiro escritor. Tempos depois descobri o quanto phodástica era ela e meu âmago bateu a cabeça num satélite de Júpiter. Quem não lembra da mão dela quando ela fala da "estrutura..." do texto? Me senti com uma grande responsabilidade na mão e resolvi escrever a sério. Mas o texto de Apoteose está perdido: perdi o arquivo e perdi o original. Procuro obsessivamente. Não achei ainda. Quando achar, eu posto. Agora, o texto.

******
Completude

Do bolso aos dedos me veio o bombom, não em silêncio, mas cantando a alegre música que alegra o paladar. A cada toque, todo manhoso, continuava a letra, que falava de tentações e delícias.Na busca de sua verdadeira identidade, meus dedos, vagarosamente, foram despindo seu colorido e ilustrado traje magenta; e no final, que vergonha!, somente de roupa de baixo. A roupa amassada trazia seu cheiro, delicioso, doce odor do desejo ardente. Suas roupas íntimas, da cor do luar, eram tão finas, que se meus dedos não fossem cuidadosos, a teriam rasgado.Ah!, que constrangedor aquele momento, um silêncio prolongado... Meus dedos se aproximaram e o abraçaram... Foi perfeito. Os dedos foram feitos para o bombom e o bombom, para os dedos: um encaixe sublime, sem falhas.Os olhos, mestres dos dedos, encaravam aquela pele negra, aquela forma circular e voluptuosa. Depois de muito observar e admirar, ordenou, imperioso:
- Pegue!
Um contato cuidadoso: a cada toque sua pele parecia derreter, junto com minha moderação. Não resistindo mais, todos os membros imploravam pelo bombom.Os dedos o fizeram subir pelo ar até a boca. Agora, que dúvida! Como comê-lo? Se for rápido, me arrependerei depois; se devagar, não sentirei o prazer da mordida rápida e saborosa.Chegou o momento e nos encaramos. Iria começar o ritual, onde dois se tornam um, chegando à completude e ao prazer.Foi se aproximando e antes dele, chegou a arma que ataca o nariz, intensificando o desejo, atiçando a vontade, tirando o controle.Depois de um breve ósculo, iniciou-se o delírio. O bombom, atrevido, fazia delirar os meus dentes, minha língua, minha boca, meus sentidos, minha alma... E acabou; finalmente nos unimos.