quarta-feira, 23 de julho de 2008

Completude

Com esse texto, ganhei a 3° colocação no Concurso de Literatura Experimental do CEFET-SP.
Inicialmente, foi um trabalho de redação. Trabalhávamos descrição; a professora deu um bombom Sonho de Valsa para cada um e tivemos que descrever como o abrimos, o cheiro que sentimos, a sensação de comê-lo, etc. Essa foi a minha redação. Quando a recebi com a nota (3,5) e um "Muito Bom!", a professora Ana Lisboa disse: Nossa você realmente escreve bem, como a professora Marlena disse". E eu pensei: "Nossa, então por que será que eu não tirei nota máxima?". Chegou a época do concurso de redação, eu tava com vontade de participar, mas acabei perdendo a data de inscrição. Aí, adiaram dois dias. Digitei dois textos que tinha: esse, que se chamava Completude e outro que se chamava Amélia, mas que mudei para Apoteose. Entreguei. Um mês depois, no dia em que eu descobriria que ganhara uma bolsa integral no Etapa [choro litros...]), a professora veio me avisar que eu tinha conseguido o 2° e o 3° lugar no concurso. Fiquei feliz. Saí da sala para espairecer. Nessas horas dá vontade de fazer flics... Completude ficara em 3° e Apoteose em 2°. Ganhei 90 reais em vale-livros, que gastei comprando um DVD do South Park, um do Woody Allen "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar", Harry Potter and the Prisioner of Azkaban (versão americana, que ainda não li) e um livro do Woody Allen.
No dia da premiação, a prof. Suely (que não era minha professora ainda) me abraçou e disse: "É importante escrever, ainda mais hoje, quando a literatura não é valorizada." Quando fui escolher o livro ao qual os premiados tinham direito, a professora Maria Ângela não permitiu que eu pegasse dois. "Vai faltar para os outros". Eram quase 10 livros para 5 premiados... Peguei o Cortiço e fui embora... Aí a professora Suely me parou e perguntou: "Foi você que escreveu o da Amélia?" Ela estava com outra professora. Eu disse que sim. Ela levantou, apertou minha mão e disse que tinha partes de um verdadeiro escritor. Tempos depois descobri o quanto phodástica era ela e meu âmago bateu a cabeça num satélite de Júpiter. Quem não lembra da mão dela quando ela fala da "estrutura..." do texto? Me senti com uma grande responsabilidade na mão e resolvi escrever a sério. Mas o texto de Apoteose está perdido: perdi o arquivo e perdi o original. Procuro obsessivamente. Não achei ainda. Quando achar, eu posto. Agora, o texto.

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Completude

Do bolso aos dedos me veio o bombom, não em silêncio, mas cantando a alegre música que alegra o paladar. A cada toque, todo manhoso, continuava a letra, que falava de tentações e delícias.Na busca de sua verdadeira identidade, meus dedos, vagarosamente, foram despindo seu colorido e ilustrado traje magenta; e no final, que vergonha!, somente de roupa de baixo. A roupa amassada trazia seu cheiro, delicioso, doce odor do desejo ardente. Suas roupas íntimas, da cor do luar, eram tão finas, que se meus dedos não fossem cuidadosos, a teriam rasgado.Ah!, que constrangedor aquele momento, um silêncio prolongado... Meus dedos se aproximaram e o abraçaram... Foi perfeito. Os dedos foram feitos para o bombom e o bombom, para os dedos: um encaixe sublime, sem falhas.Os olhos, mestres dos dedos, encaravam aquela pele negra, aquela forma circular e voluptuosa. Depois de muito observar e admirar, ordenou, imperioso:
- Pegue!
Um contato cuidadoso: a cada toque sua pele parecia derreter, junto com minha moderação. Não resistindo mais, todos os membros imploravam pelo bombom.Os dedos o fizeram subir pelo ar até a boca. Agora, que dúvida! Como comê-lo? Se for rápido, me arrependerei depois; se devagar, não sentirei o prazer da mordida rápida e saborosa.Chegou o momento e nos encaramos. Iria começar o ritual, onde dois se tornam um, chegando à completude e ao prazer.Foi se aproximando e antes dele, chegou a arma que ataca o nariz, intensificando o desejo, atiçando a vontade, tirando o controle.Depois de um breve ósculo, iniciou-se o delírio. O bombom, atrevido, fazia delirar os meus dentes, minha língua, minha boca, meus sentidos, minha alma... E acabou; finalmente nos unimos.

Um comentário:

Fernando disse...

É incrível: descrever os momentos que precedem e sucedem nossa ação de nos "alimentarmos" é provocadoramente sensual... Mexeu com os sentidos, mexeu com a materialidade, a sensualidade... sua descrição me lembrou de A Carne, poderoso livro naturalista-realista de Júlio Ribeiro.

Você foi muito feliz na elaboração do texto. Senti-me quase vexado lendo-o! =D
Meus parabéns. (não se preocupe com textos perdidos. O que vale são os que ainda temos conosco.)